sábado, 10 de outubro de 2015

ESTUDO TEOLÓGICO - Nº 18

 Estudo Do Livro Fundamentos da Fé Cristã  Nº 18
     Um manual de Teologia ao alcance de todos.
    Autor: James Montgomery Boice – Capítulo 11
    POR QUE JESUS CRISTO SE TORNOU HOMEM?

Sabemos que a teologia cristã tem como foco explicar quem é Cristo e o que significa ter fé nele, mas isso não é tão simples como parece. Por um lado, a afirmação mais incrível sobre Jesus Cristo é que Ele é tanto homem quanto Deus. Por outro, as doutrinas de Cristo passam rápida e inevitavelmente pelo mistério dele, sendo impossível, portanto, falar de modo significativo sobre a identidade do Filho de Deus sem também mencionar o que Ele fez e a importância disso para nós.
Por que Jesus se tornou homem? A resposta a essa pergunta, como veremos, é que Ele se fez carne a fim de morrer pelo que creriam nele. Embora essa justificativa nos remeta à obra de Cristo, podendo, portanto, ser enquadrada na ação deste livro que aborda o tema desse ministério, é pertinente estudá-lo aqui também, pois esta se relaciona com quem Ele é.
Em outras palavras, a pergunta “o que Jesus fez?” exige uma explicação de Sua natureza singular como Deus-homem. Poderíamos afirmar que a natureza de Cristo dá significado à Sua obra, que, centrada na justificação, é o único fundamento adequado para uma doutrina a Seu respeito.
James Denney, professor da United Fee Church College, em Glasgow, na Escócia, discutiu esse assunto por volta da virada do século. Na verdade, precisamos de uma justificação, e, como Denney escreveu, Cristo é a única pessoa capaz de realizar essa obra por nós.
“Essa foi a coisa mais profunda sobre Jesus, e, ao responder as perguntas que esse tema suscita, tomamos por base a experiência. Há um sentimento no qual Jesus Cristo nos confronta como reconciliador. Ele está fazendo a vontade de Deus em nosso benefício, e nós só podemos ser meros expectadores. Vemos nele o julgamento e a misericórdia do Senhor em relação a nossos pecados. Sua presença e obra na terra são um dom da visitação divina. Ele é o presente de Deus para a humanidade, não a oferta da humanidade para o Altíssimo.
O Senhor se dá para nós em Cristo, por isso devemos a ele tudo o que somos. Por outro lado, essa vida divina é concedida à nós, por meio de uma vida e uma obra verdadeiramente humana. A presença e a obra de Jesus no mundo, mesmo a de levar sobre si o pecado, nos impede de definir humano e divino em contraste um com o outro: não há sugestão de incongruência entre eles. Todavia, os dois estão lá, e o fato de que ambos estão presentes permite-nos, por um lado, levantar o questionamento da relação de Jesus com Deus, e, por outro, dele com os homens” (Denney, 964).
Assim o presente capítulo trata da obra do Filho de Deus, em especial a explicação da encarnação. Só depois disso, ficaremos livres para pesquisarmos sobre o ministério de Cristo de modo mais abrangente.
O MOTIVO DA ENCARNAÇÃO
Anselmo de Cantuária, falecido em 1109, proporcionou, em seus estudos, uma clara resposta ao questionamento acerca da necessidade de Jesus ter-se tornado homem. A obra de arte teológica, intitulada Cur Deus homo? [traduzida, literalmente, Por que Deus homem?], trata da questão da encarnação.  A resposta é uma elaboração muito bem elaborada da justificação.
Anselmo respondeu que o Verbo de Deus se tornou humano porque somente alguém simultaneamente divino e humano poderia, de fato, realizar a salvação. No entanto, isso não quer dizer que, segundo ele, não haja outros motivos para a encarnação.
Sabemos que a vida humana, apesar de valiosa no que diz respeito à criação, foi banalizada por causa do pecado. A encarnação de Cristo revela, portanto, o valor fixado por Deus à nós, e indica que ele não nos abandonou, pois Ele nos ama, valorizando-nos mesmo em nosso estado decaído.
Além disso, o fato de o Senhor ter-se feito homem colabora para duas outras coisas: 1º - de ter compaixão de nós, o que é um motivo para chegar a Ele em oração (como sugerido no capítulo anterior); 2º - fornece-nos um exemplo de como uma pessoa deve viver neste mundo.
O apóstolo Pedro se refere  a crucificação nos seguintes termos: “Porque para isso sois chamados, pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas” (1 Pe 2:21). Contudo, a justificação é o real motivo para a encarnação, como afirmou o autor aos Hebreus:
“Porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire pecados. Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifícios e ofertas não quiseste, mas corpo me preparaste; holocausto e oblações pelos pecados não te agradam. Então disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hebreus 10:4-7).
Ainda neste texto, Jesus diz que veio para fazer a vontade de Deus, sendo necessário que esta seja entendida como a provisão de um sacrifício:  “Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez” (Hb 10:10).
O próprio Jesus Cristo falou de seus sofrimentos vindouros (Mc 8:1; 9:31), relacionando o sucesso de Sua missão à crucificação: “ E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei à mim” (Jo 12:32).
Em outras passagens do evangelho de João, fala-se da crucificação como a hora crucial para qual o Senhor veio à terra (Jo 2:4; 7:30; 8:20; 12:26,27; 13:1; 17:1).
Exemplos da morte de Jesus Cristo podem ser encontrado no Antigo Testamento; em Isaías 53, bem como em outros textos do A. T. que abordam o sofrimento do Libertador q  ue estava para vir. Em Gálatas, o apóstolo Paulo ensinou que, mesmo Abraão, que viveu antes da Lei e dos Profetas, foi justificado pela fé, crendo nas promessas de Deus feitas a ele e à sua posteridade, que é Cristo (Gl 3:8,16).
Cristo ensinou aos desanimados discípulos em Emaús que o Antigo Testamento predisse Sua morte e ressurreição:
“E Ele lhes disse: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo que o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (Lucas 24:25-27).
A SALVAÇÃO POR MEIO DO DEUS-HOMEM.
Porque a doutrina da justificação dever ser tema central das Escrituras? Porque deve existir um sacrifício? Ou, supondo que a justificação seja necessária, por que Jesus, o Deus homem, teve de ser responsável por provê-la?
Calvino afirmou, em suas institutas, que não devemos questionar a maneira escolhida por Deus para justificar-nos, visto que seria impertinente de nossa parte buscar alternativas distintas, mas, como ele e Anselmo reconheceram, essa não é uma justificativa aceitável.  Será possível indagar, sem impertinência, por que a salvação teve de ser conquistada por meio da crucificação e da ressurreição de Cristo?
Anselmo (e, depois Calvino) deu duas respostas. A primeira é que a salvação teve de ser realizada por Deus, pois ninguém mais poderia realizá-la. Com certeza, nós, seres humanos, não conseguiríamos colocá-la em prática, visto que nossa rebelião contra a Lei e os decretos justos do Senhor foi responsável por criar a necessidade da salvação em si. Além disso, sofremos os efeitos do pecado em tamanho grau que nosso arbítrio ficou comprometido, sendo-nos, por isso, impossível escolher agradar o Senhor, bem como agradar-lhe de fato. Assim, se precisamos ser salvos, apenas Deus, que tem tanto a vontade como o poder de resgatar, pode salvar-nos.
A segunda resposta de Anselmo foi que, apesar de aparente contradição, a salvação deve ser realizada pela humanidade, uma vez que agimos de maneira equivocada com o Criador, devemos, por causa disso, consertar nosso erro. Diante dessa situação, a salvação  só pode ser realizada por aquele que é, ao mesmo tempo, divino e humano: Cristo. Sobre esse assunto Eugene R. Fairweather destacou:
“A não realização da restauração da natureza humana teria sido um equívoco [...] e esta, não poderia ter sido feita a não ser que um ser humano pagasse o que era devido ao Senhor por causa do pecado. Contudo, a dívida era tão grande, que, embora ela fosse exclusivamente nossa, apenas o Senhor seria capaz de pagá-la. Com isso, fez-se necessário que Cristo assumisse a condição humana, a fim de que, sendo humano e divino, pudesse pagar o que nenhuma pessoa comum poderia [...]. A vida de Jesus foi tão sublime, tão preciosa, que acabou sendo suficiente para pagar o que era devido pelos pecados do mundo inteiro, e infinitamente mais. (Fairweather, 1956).
Para evitar interpretações equivocadas, é preciso analisar a explicação de Anselmo sobre a encarnação por três pontos de vistas principais. Em primeiro lugar, Deus inicia e efetua a ação. Se isso for esquecido, será fácil dizer que Ele não participou do processo de justificação, sendo responsável apenas por cobrar um preço abstrato para satisfação própria.
Sobre essa perspectiva, o Senhor parece desinteressado, legalista e cruel, quando na verdade, Sua natureza é caracterizada pelo amor. Foi por amor que, em Cristo, o próprio Deus satisfez Sua justiça. Então, não restam dívidas de que, para evitar maus entendidos, a encarnação e a justificação devem ser consideradas juntas.
Em segundo lugar, embora a propiciação esteja relacionada ao ato de aplacar a ira de Deus, como vemos no estudo sobre esse conceito, registramos no capítulo 13 dessa obra, Anselmo não sugeriu, em sua explicação, a existência de ninguém que tenha feito. Contudo, não é o homem que aplaca a ira divina, e sim o próprio Deus, a fim de que o Seu amor possa envolver e salvar o pecador plenamente.
Em terceiro lugar, a justificação não é uma mera substituição, uma vítima inocente toma o lugar de outra pessoa que deveria ser punida. Em vez disso, trata-se da substituição em seu sentido mais profundo, visto que Aquele que tomou o lugar do ser humano com o objetivo de satisfazer a justiça divina é, na verdade, o próprio Filho de Deus, que tinha se tornado homem. Dessa maneira, Cristo é nosso representante.
Para que se torne compreensível, a encarnação deve ser realizada junto à justificação. Além disso, essa conexão elimina as objeções mais comuns ao sacrifício de Jesus como meio de salvação.
Um escritor resumiu o assunto da seguinte maneira:
”Deus não é apenas perfeitamente santo, mas é a fonte e o padrão da santidade: Ele é a origem e o pilar de sustentação da ordem moral do universo, tendo, portanto, de ser justo. O Juiz de toda terra deve fazer o que é certo. Logo, era impossível, pela necessidade de Seu próprio ser, Ele lidasse com o pecado de maneira suave, compreendendo, assim, Suas declarações de santidade.
Se, de fato, o pecado pode ser perdoado, isso deveria de ser feito de acordo com a santa Lei de Deus, mas tal vindicação seria extremamente custosa. A questão é: custosa para quem? Não para o pecador perdoado, pois não há preço para o perdão que lhe fora dado, visto que este valor está muito além do alcance humano, e o Senhor ama dar e não vender.
Sabendo disso, o próprio Deus determinou-se a pagar um preço altíssimo por meio de um sacrifício tremendo ao ponto de anular de maneira absoluta qualquer que fosse a gravidade da condenação do pecado. Ao mesmo tempo, o amor que o impeliu a pagar esse preço seria capaz de maravilhas até os anjos, bem como de levar-nos, como pecadores redimidos, a uma gratidão de louvor sem igual.
No Calvário, esse preço foi pago por Cristo, que ofereceu a si mesmo como sacrifício vivo, a fim de levar os nossos pecados e nossas maldições. Ele não apenas tomou o lugar dos culpados, mas também foi representante deles.
Jesus Cristo, uma das três pessoas da Trindade, por intermédio de quem, do início da criação, o Pai se revelou ao homem (Jo 1:18), tomou a natureza humana sobre si tornando-se, assim, nosso representante. Ele se ofereceu como sacrifício em nosso lugar, pagando por nossos pecados em Seu corpo, no madeiro. Ele sofreu não apenas uma angústia física terrível, mas também o inimaginável horror espiritual de assemelhar-se ao pecado ao qual Ele era infinitamente oposto.
Tornando-se maldição em nosso lugar, assim permaneceu tempo suficiente para que, por um momento, até mesmo Sua perfeita comunhão com o Pai fosse quebrada. Assim, ao dispor-se de sofrer tudo isso, o Senhor proclamou Sua infinita abominação pelo pecado, a fim de que, nele, pudéssemos ser perdoados com justiça.
O amor do Senhor encontrou seu perfeito cumprimento porque, para que pudéssemos ser salvos da morte eterna. Ele não fugiu nem mesmo do pior de todos os sacrifícios. Somente seria possível que Jesus nos justificasse, porque, como Aquele que ditou a Lei e tomou para si o castigo dos pecados da rebelde raça humana. Ele mesmo sofreu a penalidade da Lei quebrada. (Guillebaud, 1947, p. 130,185).
A IMPORTÂNCIA DA CRUZ.
Podemos tirar várias conclusões da explicação acerca de encarnação de Jesus. A primeira delas é que, de acordo com as Escrituras, Jerusalém [por causa do Calvário], e não Belém, foi o centro do cristianismo. Em alguns círculos cristãos, tornou-se popular a idéia de que a encarnação de Cristo seria o aspecto central da fé cristã, visto que foi por meio dela que Deus se identificou com o homem, sendo a justificação uma conseqüência dela.
No entanto, de acordo com o ensinamento bíblico, o Senhor exigiu que fôssemos salvos por meio de Cristo, que, como vimos, era tão humano como divino. Portanto, “o significado crucial do berço Belém reside na seqüência de passos que levaram o Filho de Deus à cruz do Calvário, não sido possível compreender esse fato até que o vejamos em seu contexto” (Packer, 1973, p. 51). Assim, analisar a encarnação sem levar em conta a cruz pode conduzir-nos a um falso sentimentalismo, bem como a negação do homem e da magnitude do pecado.
A segunda conclusão que tiramos é que, se a crucificação de Cristo é o verdadeiro propósito da encarnação, então não há evangelho sem cruz. Assim, o nascimento e a vida de Jesus, por si só, não podem ser vistos como evangelho; nem mesmo a ressurreição, por mais importante que seja, pode ser interpretada como tal.
As boas novas dizem respeito não somente a Deus que se tornou homem pra que, ao derrotar a morte, pudesse revelar-se um modo de vida mais adequado. Antes, a boa notícia é que, em  Jesus, nossos pecados já foram punidos (a ressurreição é uma prova disso), visto que Ele, nosso representante, sofreu o castigo por nós, a fim de que não tivéssemos de passar por isso nunca mais. Graça ao sacrifício sublime do Filho de Deus, todos os que crêem nele podem aguardar ansiosamente pelo céu.
Além disso, como no caso da encarnação, devemos estudar os demais temas bíblicos dentro deste mesmo contexto. A emulação da vida de Cristo e Seus ensinamentos são possíveis apenas para aqueles que, por intermédio dele, entram em um novo relacionamento com o Pai.
A ressurreição não é só uma vitória sobre a morte,  mas é também uma prova de que a justificação foi uma propiciação satisfatória aos olhos do Senhor (Rm 4:25), que, ao redimir o pecado, aboliu a morte, conhecida biblicamente como resultado [ou salário] do pecado.
Assim, qualquer evangelho que fale de Cristo considerando apenas a encarnação, deixando de lado a justificação, ou que trate do amor de Deus sem ressaltar que Ele deu Seu único Filho como resgate dos nossos pecados, é falso. O único evangelho verdadeiro é aquele que prega um único mediador (1 Tm 2:5,6), que deu a si mesmo por nós.
Por fim, assim como não pode ter evangelho sem a justificação, também não pode haver vida cristã sem ela, visto que, se ela não existisse, o tema da encarnação, facilmente, seria um tipo de deitificação do ser humano, levando-o a arrogância e autopromoção. Com ela, a verdadeira mensagem da vida de Cristo – e, por conseguinte, da vida do cristão – é a humildade e o auto-sacrifícios pelas necessidades dos outros.
A vida cristã não é diferente para aqueles que passam fome e sede, ou tem outras carências. Ela não é caracterizada pela abundância de uma vida de classe média – com casas bem mobiliadas, carros, roupas caras, viagens, educação em escola particular, boas igrejas (suntuosas), Bíblias, ensino bíblico, amigos e  conhecidos cristãos.
Na verdade, precisamos ter consciência de que, ás vezes, para que possamos atender as necessidades do próximo, devemos sacrificar muitos dos nossos interesses, a fim de nos identificarmos com eles (os pobres) e, assim, proporcionar-lhes, cada vez mais, a abundância do que desfrutamos.  Paulo escreveu sobre a encarnação:
“Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela sua pobreza, enriquecêsseis” 2 Coríntios 8:9.
Essa é também uma declaração da justificação e da vida cristã. De fato, ela apareceu no capítulo em que Paulo estava falando sobre a obrigação dos cristãos de Corinto de ofertar recursos próprios em benefício dos menos afortunados (pobres) que moravam na Judéia.
Viveremos plenamente para Cristo quando estivermos dispostos a sacrificar nossas vontades, se necessário, a fim de outros possam ser ajudados.
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Amigos, perdoam-me se estendi tanto nesse capítulo. Achei tão profundo em ensinamentos teológicos, que não resumi alguns pequenos pontos, mas o editei na íntegra como o livro assim se nos apresentou.
Saibam que, se há em mim, alguma alegria, ela é unicamente em poder ser útil a vocês, amados amigos, que lêem aquilo que posto neste nosso Blog. Avise seus amigos, que em cada sábado esses estudos, com assuntos teológicos novos, serão postados.      www.jerusalemeaqui.blogspot.com. ( Erleu Fernandes).

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